sábado, 28 de março de 2009

Libertang(d)o o lado visual





Memória Descritiva

Primeiras impressões (expressões)
Criar uma composição visual para a música Libertango revelou-se um quebra-cabeças e um quebra-hipóteses desmedido. Primeiro estive várias semanas a tentar escolher/seleccionar/apurar as cores que melhor reflectem a expressão e o traço emotivo que esta música me sugere. A minha opção comprometeu-se com o preto e o vermelho, o primeiro porque é símbolo do absoluto, e também porque sugere obscuridade, negação, sombra e incerteza, o segundo – o vermelho – é a cor da paixão, da sensualidade, da intensidade e indica a força dos sentimentos e/ou das emoções. Libertango expressa, por um lado, momentos de alguma escuridão e de pouca intensidade, por outro, momentos de ruptura, voo, liberdade, libertação, emancipação, independência, sempre vinculada a um traço de paixão, chama e emoção. Preto e vermelho para uma composição musical que atravessa dois campos opostos: o da estagnação, passividade e escuridão e o da liberdade, ruptura e paixão.
Nos primeiros estudos que realizei analogicamente quis dar valor e significado ao, contrabaixo ou violoncelo que figura e que acaba por protagonizar a música. No entanto apercebi-me que estava a valorizar (excessivamente) um aspecto da música e a esquecer-me da mensagem implícita que Libertango me oferece. Por isso distanciei-me das primeiras concepções que tinha estabelecido e desconstruí todos os passos dados até perceber a razão/motivação que me levou a escolher esta música e não outra. A conclusão (ainda) não apareceu num balão de cartoons junto à minha face nem ficou restrita a uma afirmação terminante. Mas encontrei como resposta ( se se pode chamar a isto resposta). A minha predilecção e simultânea adoração pelo Libertango existe, essencialmente, porque esta música desenvolve sentimentos e sensações de força e de nos ultrapassarmos enquanto pessoas, artistas, pensadores, jornalistas, escritores… enquanto sonhadores. E creio que Libertango revela uma dinâmica musical de que algo está a crescer, primeiro a medo, com receios e reservas, mas que depois cresce e se apresenta forte e se liberta, se ultrapassa.
Quer no Tango, quer na Dança, quer na Música, no Design e na Arte é preciso liberdade para (nos) ultrapassarmos o que temos como interrogações ou impossibilidades, receios e desassossegos e, essencialmente, ter paixão por o que se sonha ou se aspira. É nessa esfera das subjectividades com uma dimensão subjectiva que organizei, criei e me envolvi neste projecto visual.

Os entretantos e nos entretantos

A recolha de imagens que me foi proposta foi organizada através de várias fotografias que tinha guardadas em alguns álbuns fotográficos. Essa mesma recolha contribuiu para que me centrasse mais concretamente nos objectivos da proposta de trabalho e concluísse que os elementos visuais da comunicação. Nas palavras de Bruno Munari (1968:19) “Conhecer as imagens que nos rodeiam significa também alargar as possibilidades de contacto com a realidade; significa ver mais e perceber mais.”, ou seja, ter um contacto directo e íntimo com a realidade que nos parece demasiado “natural” e óbvia permitiu-me consciencializar-me da presença desses mesmos elementos, numa perspectiva nunca antes alcançada.
Nos entretantos do processo deste trabalho recorri a algumas leituras exploratórias, como Bruno Munari “Design e Comunicação Visual”, Donis A. Dondis “La sintaxe de la linguagem visual” e ainda alguns artigos científicos que fui aleatoriamente encontrando na internet. As leituras exploratórias foram precisamente um apoio essencial para perceber a escrita e o tratamento da informação na área da Comunicação Visual, bem como perceber algumas técnicas que apoiaram a organização e criação do espaço eminentemente visual.
Deixo alguma documentação que encontrei online de Donis A. Dondis:
http://www.fatecjp.com.br/Elementos%20Basicos%20da%20Comunicacao%20Visual.pdf
http://books.google.com/books?hl=ptPT&lr=&id=rrf5SisMzQgC&oi=fnd&pg=PA39&dq=%22Dondis%22+%22A+primer+of+visual+literacy%22+&ots=8ywKk89iCl&sig=rngewb5SlTUqEXdQWmQ3wQ7mESA#PPP1,M1

Os elementos básicos e as Técnicas da Comunicação Visual

O acto de comunicar é imperativo à nossa essência humana , sendo que no que concerne à Comunicação Visual “acontece por meio de mensagens visuais, as quais fazem parte da família das mensagens que atingem os nossos sentidos, sonoras, térmicas, dinâmicas, etc.” (Munari, 1968:90). A Comunicação Visual é composta por unidades básicas que a compõe : o ponto, a linha, o contorno, a direcção, a tonalidade, a cor, a textura, a dimensão, a escala e o movimento, de acordo com Donis A. Dondis (1991), sendo estes os recursos e as mais valias que estiveram presentes (mas não de uma forma automática) na criação da minha composição visual.
Acho que o conhecimento da existência destes elementos me deixou em vários momentos um pouco presa e condicionada. Mas no decorrer de todas as experiências, leituras, pesquisas, conversas com os colegas, consulta de blogs, consegui perceber que esses elementos são precisamente como o abecedário da linguagem verbal, apenas servem para construir, não para prender ou condicionar, mas sim dar total e máxima liberdade, ou Libertango.
“As técnicas visuais oferecem ao designer uma grande variedade de meios para a expressão visual do conteúdo” (Dondis, 1991) e da mensagem que deseja expressar visualmente, isto é, disponibilizam uma determinada coerência estético-visual que age de acordo com os objectivos que o designer/artista pretende alcançar. Dondis (1991) apresenta algumas técnicas da Comunicação Visual: equilíbrio/instabilidade; simetria/assimetria; regularidade/irregularidade; simplicidade/complexidade; unidade/fragmentação; economia/profusão, minimização/exagero; previsibilidade/espontaneidade; actividade/êxtase; subtileza/ousadia; neutralidade/ênfase; transparência/opacidade; estabilidade/variação; exatidão/distorção; planura/profundidade; singularidade/justaposição; sequencialidade/acaso; agudez/difusão; repetição/episodicidade.
Interpretei a mensagem explícita e a implícita de Libertango e utilizei algumas destas técnicas de comunicação visual para expressar o conteúdo e a lógica da minha interpretação.

Libertango : Liberdade e Movimento

A música Libertango representa para Astor Piazzolla o momento de ruptura do Tango Clássico para o Novo Tango, ou seja, é uma conjugação do Tango e a sua reinvenção com a liberdade de criar. A nível pessoal, a mensagem que Libertango me transmite é de força, coragem de ser, de liberdade em aspirar e posteriormente criar, de significado pelas coisas que nutrimos apreço e paixão. A música apresenta uma dinâmica musical muito grande: em primeiro lugar tem momentos de baixo volume mas com acordes musicais intensos e complexos, havendo sempre um jogo entre a intensidade do volume e as dinâmicas instrumentais, terminando numa apoetose de força e de sonoridade que o Tango é impossível de comparar.
Neste sentido, considerei que havia duas linhas de força muito importantes a representar: a liberdade e o movimento. Como já referi no primeiro ponto deste artigo, escolhi o preto e o vermelho por resultarem enquanto contraste estético e por ambos, distintintamente, possuirem um significado distinto mas que acaba por expressar a dicotomia entre estático e movimento, estagnação e ruptura.

A composição visual: significados e sentidos
Em termos técnicos, importa esclarecer que realizei o meu trabalho no programa Photoshop, fazendo sobretudo um trabalho com a textura pretendida e com alguns efeitos para obter o presente resultado.
Libertango respira espontaneidade e assimetria, por isso desenvolvi o projecto final utilizando técnicas de espontaneidade, assimetria, variação, instabilidade, êxtase e acaso. Estas técnicas foram essenciais para quem quis representar a música e o seu lado expressivamente livre, a par da palavra Liberdade inata. Sendo que esta música remonta à dimensão musical do ouvinte, pareceu-me que seria importante transmitir visualmente o sentido de inesperado e de uma evolução positiva que ocorre durante o tempo da música.
O preto que se observa do cantor superior esquerdo significa o passado escuro e estático, (daí a opção de um canto assumidamente simples e dessa tonalidade), surgindo espontaneamente alguns efeitos de globos e linhas incertas já a vermelho, que são a liberdade que surge como cenário à situação actual ainda a medo e com uma representatividade insegura, mas que vão ganhando força, aparecendo com mais assertividade e acentuação, assimetricamente. Há um turbilhão propositado entre as formas e as linhas vermelhas, bem como um efeito de instabilidade e algum acaso, associado ao momento que divide a primeira parte da música e a segunda: em que alguns instrumentos se encontram com os primeiros, onde o velho se encontra com o novo, cujo acordeão revela um protagonismo propositado, já que é a alma do Tango.
O facto do canto direito inferior ser ocupado apenas por vermelho significa que a liberdade e a ruptura aconteceram e que há uma apoteose, após o encontro e o ultrapassar sobre o que existia, existindo assim uma explosão da cor vermelha e anulando todas as formas que existiram até à data. É o momento de êxtase. A opção pela assimetria e uma organização espacial incerta e flutuante justifica-se por toda a linha de pensamento que atribuí a Libertango, intimamente relacionado com o ritmo da música e o arranjo instrumental.
Esta composição visual tem um vínculo com uma sequência de instabilidade e de uma emoção inata: se a liberdade é força, movimento então é espelho de movimento, acção, imprevisibilidade. Considerei relevante que os meus traços de expressão revelassem não só os elementos básicos de comunicação, mas que se relacionassem e agissem em função da mensagem visual que quero transmitir, com um traço vinculadamente forte e emotivo. Priviligiei uma linguagem visual subjectiva e vaga.
A predominância do vermelho visa o assumir que de que existem mudanças significativas, que vão ganhando força e significado, em função da sua acção e do modo de que como se expressam. É-me importante referir que o efeito do preto terminar em vermelho, pretende que haja uma abertura, um crescimento que termina no estabelecimento de um novo mundo, de um novo olhar.

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